Prof. Dr. Geert Mayer
Clínica Hephata, Departamento de Neurologia, Universidade Schwalmstadt-Treysa and Philipps, Marburgo, Departamento de Neurologia, Marburgo, Alemanha
Pergunta. É um dos autores das Orientações para Lidar com a Narcolepsia (Billiard M, et al. Eur J Neurol 2006; 13: 1035-48), da Federação Europeia das Sociedades de Neurologia (EFNS). Existem novas perspectivas no tratamento farmacológico da narcolepsia?
Resposta. A narcolepsia é uma doença rara. O problema destas doenças órfãs é que proporcionam apenas um pequeno mercado para as novas substâncias. Os custos de desenvolvimento de novos tratamentos farmacológicos são extremamente elevados, devido às elevadas exigências das agências nacionais do medicamento, que requerem provas de eficácia. Apenas dois produtos receberam a aprovação da Agência Europeia do Medicamento (EMA) nos últimos 14 anos: Modafinil e oxibato de sódio.
A hipótese de que a narcolepsia é uma doença autoimune estimulou o tratamento da narcolepsia de início precoce com IVIG. Os poucos tratamentos levados a cabo demonstraram melhorias subjetivas, as quais não puderam ser comprovadas com métodos tais como o teste de múltiplas latências do sono (MSLT) ou mediante um regresso das hipocretinas LCR aos níveis normais. As comissões de ética não autorizaram a realização de um ensaio clínico em dupla ocultação, controlado com placebo, na Europa.
A histamina, que é conhecida por ter um maior impacto no despertar e no desempenho cognitivo, foi uma candidata à investigação nos últimos quatro a cinco anos. Um receptor antagonista de histamina 3 foi testado em diversos distúrbios do sono com a queixa principal de sonolência diurna, isto é, narcolepsia, apneia do sono e doença de Parkinson. Em todas estas patologias, a sonolência diurna foi reduzida em proporções subjetivas e objetivas, enquanto sintomas específicos como catalepsia, alucinações hipnagógicas e paralisia do sono não foram afectados.
P. As hipocretinas já estão disponíveis?
R. Realizaram-se estudos em que cães narcolépticos com fenotipo comparável ao da narcolepsia humana foram testados com aplicações intravenosas e intraventriculares de hipocretina-1. Devido à curta semivida da hipocretina, os benefícios na cataplexia e sonolência foram extremamente breves, isto é, com uma duração de até cinco minutos. Recentemente, um grupo alemão aplicou a hipocretina-1 por via intranasal e observou uma normalização da disfunção olfactiva e estabilização do sono REM com uma redução das transições entre o despertar e as fases REM. A hipocretina-1 pode ser comprada, mas ainda não está comercialmente disponível. Só será uma substância promissora quando for possível desenvolver uma substância estável com semivida compatível com uma aplicação de três vezes por dia.
P. Foi um dos primeiros clínicos a trabalhar no controlo motor em doentes narcolépticos (Mayer G, Meier-Ewert K. J Sleep Res 1993; 2: 143-8) e especulou que os distúrbios motores no sono REM poderiam ainda estar em processo de desenvolvimento face a um distúrbio comportamental do sono REM completo (RBD). Num possível desenvolvimento a longo prazo de um distúrbio motor com início no sono NREM, o espoletar da narcolepsia pode representar o ponto de viragem para a sua intromissão no sono REM?
R. Nos últimos anos, muitos autores demonstraram que a narcolepsia está associada à desinibição motora durante todas as fases do sono. Os nossos estudos junto de algumas famílias com múltiplos casos revelaram uma associação com parassónias REM e NREM em familiares do primeiro grau, mais frequente do que a associação com a sonolência diurna excessiva. Os especialistas checos em narcolepsia descobriram um distúrbio comportamental do sono REM (RBD) com início precoce em crianças com narcolepsia. A frequência do RBD na narcolepsia encontra-se estimada entre os oito e os 60 por cento. Tal abrangência sugere uma sobrestima. As altas frequências devem-se a estimativas subjectivas e atribulações falsas, já que estudos com confirmação polissonográfica variam entre os oito e os 18 por cento. A elevada associação com parassónias anteriores ao espoletar da narcolepsia indica que mesmo antes deste existe um fenómeno que indica a existência de instabilidade na coordenação entre actividade motora e fases do sono.
P. Poderia, por favor, explicar a diferença, caso exista, entre doentes narcolépticos com e sem RBD?
R. Até agora, não temos dados suficientes que nos permitam afirmar com clareza que existem quaisquer diferenças. O RBD em doentes narcolépticos parece ser menos violento do que o RBD idiopático que ocorre em doentes idosos e multimórbidos, que são principalmente do género masculino. Como tal, a deteção do RBD na narcolepsia depende fortemente do fenotipo (registado apenas quando suficientemente forte para ser detectado pelos parceiros dos doentes) e/ou das aptidões do entrevistador e examinador (isto é, em descobrir sugestões anamnésicas para os movimentos durante o sono que ultrapassam os movimentos das pernas, e na descoberta de actividade motora anormal nas diferentes fases do sono). Estudos recentes demonstram que alguns doentes narcolépticos com RBD, numa investigação de seguimento, após sete/oito anos, desenvolveram sintomas neurodegenerativos, os quais podem indicar que os doentes narcolépticos com RBD podem desenvolver um curso da doença semelhante ao dos doentes com RBD idiopática.
P. Enquanto presidente da Sociedade Alemã do Sono, conhece o fardo socioeconómico que representam os doentes que sofrem de narcolepsia no seu país. De facto, escreveu sobre o assunto (Dodel R, et al. Sleep 2004; 27: 1123-8) e apontou que os custos indirectos são consideravelmente mais elevados do que os directos. Pode explicar um pouco melhor?
R. A narcolepsia é uma doença incapacitante dependendo da gravidade dos sintomas. A sonolência diurna excessiva na maior parte dos doentes é mais incapacitante do que as cataplexias. O estudo alemão sobre o fardo socioeconómico da doença foi realizado com doentes hospitalizados. Estes são os doentes com maior incapacidade, pelo que os dados se encontram viciados, e não representam necessariamente a população narcoléptica comum. Contudo, os dados alemães foram reproduzidos junto da população dinamarquesa. Os estudos dinamarqueses basearam-se no conjunto de dados dos registos nacionais, os quais incluem cada um dos doentes diagnosticados. Sabendo que o tempo de diagnóstico da narcolepsia ainda demora cerca de oito anos desde o espoletar da doença e que a população não diagnosticada está estimada em 80 por cento, tais dados demonstram uma tendência similar. A maioria dos doentes desenvolve a narcolepsia na sua segunda década de vida. Confrontados com os horários de trabalho rígidos na maior parte das profissões da nossa vida industrializada, os doentes não conseguem manter suficiente nem constantemente o seu desempenho laboral e chegam a um ponto em que têm de recorrer à baixa médica. Depois de algum tempo, não têm outra hipótese que não seja a de requererem a reforma antecipada. O número de dias de baixa médica e o número de reformas somam-se aos elevados custos indirectos.
P. Pensa que os números alemães podem ser extrapolados para os restantes países da união europeia?
R. A confirmação dos números alemães pelos números dinamarqueses demonstra claramente que a situação dos doentes narcolépticos é semelhante por toda a Europa. Podemos pensar que as sociedades com maior aceitação da sonolência e do sono diurnos poderiam ser mais facilitadoras para os doentes narcolépticos. Em tempos idos, tal poderá ter sido verdade. Contudo, todos os países orientais e ocidentais sofreram um processo de industrialização que não difere em horários de trabalho nem em exigências de desempenho. Dados de Hong Kong e até do Japão demonstram desenvolvimentos semelhantes tal como nos países ocidentais, embora naqueles os dados socioeconómicos não estejam disponíveis.
P. A qualidade de vida relacionada com a saúde é considerada reduzida em doentes com narcolepsia em diversos graus (Dodel R, et al. Sleep Med 2007; 7-8: 733-41). Na sua opinião, que tipo de medidas deveriam ser consideradas para integrar as orientações de saúde tendo em vista a melhoria da qualidade de vida destes doentes?
R. Antes de mais, tais orientações têm de ser aceites pelos seguros de saúde que providenciam os meios de diagnóstico e os cuidados terapêuticos dos doentes. Regra geral, estas orientações são tidas como publicações teóricas por parte dos cientistas, que não têm em consideração a economia da saúde, isto é, os procedimentos de diagnóstico são tidos como demasiado caros e um diagnóstico clínico é suficiente. Geralmente tal resulta num aumento dos custo, quando os doentes têm um diagnóstico diferente e o trabalho para apurar o mesmo, considerando diferentes diagnósticos, tem de ser repetido, ou quando distúrbios co-mórbidos não são identificados nem tratados. Esta prática muito provavelmente conduz à prevalência de números falso nos registos nacionais como nos países escandinavos, onde se incluem muitos doentes narcolépticos com apenas um diagnóstico clínico.
Outro grande problema é o de que a narcolepsia, embora rara, não é uma doença fatal ou que constitua uma ameaça à vida. O sintoma mais incapacitante – a excessiva sonolência diurna – não é específico, o que a torna um assunto de má conduta comportamental aos olhos da opinião pública. Ainda há muito a fazer quanto ao despertar das consciências para a temática da narcolepsia e respectivas consequências sociais. A integração de linhas de orientação pode ser importante até um certo ponto, mas mais ainda é a integração de estratégias para lidar com as consequências desta doença. Estas incluiriam aconselhamento para a educação, escolha da carreira profissional, temáticas de segurança no trabalho e no trânsito, psicoeducação do doente e familiares e muitos outros temas. Há ainda muito trabalho a fazer neste campo.
P. É o secretário da Administração da Rede Europeia para a Narcolepsia (EU-NN), fundada em 2007. Pode sintetizar os objectivos principais desta associação nos últimos cinco anos?
R. A EU-NN é uma rede de peritos europeus que tem o objectivo de promover a investigação científica europeia em torno da narcolepsia, da hipersónia e campos afetos e optimizar os cuidados médicos prestados a estes doentes através do melhoramento das medidas de diagnóstico e terapêuticas. Uma colaboração chegada entre todos os envolvidos no tratamento, acompanhamento e investigação, bem como com os doentes e seus familiares será depois desenvolvida e facilitará um rápido conhecimento e troca de informação prática. Como tal, a associação quer contribuir para e melhorar a informação europeia e as estruturas de comunicação, bem como apoiar a criação de uma base de dados estandardizada destes doentes. Os centros e membros participantes encontram-se em colaboração estreita, trocando dados, facilitando assim o progresso de conhecimentos clínicos e científicos ao mais alto nível, bem como a divulgação dos mesmos. O âmbito da EU-NN é uma base de dados nuclear estandardizada (acessível a todos os membros), que inclui o historial dos doentes e as características fenotípicas obtidas por meio de análises sanguíneas e LCR. Uma base de dados local (acessível apenas a centros individuais), que possa ser adaptada individualmente de modo a ser compatível com os requisitos específicos de cada centro.
P. E a base de dados da EU-NN? Como está a ser desenvolvida?
R. A administração da EU-NN estabeleceu uma base de dados interna que levou algum tempo a integrar um conjunto básico de dados. A base de dados implicou bastante trabalho de aperfeiçoamento, ao definir os critérios de inclusão, os itens e a definição de sintomas narcolépticos e as comorbilidades que ultrapassam as definições da International Classification of Sleep Disorders (ICSD2) atribuídas. Atualmente, os standards técnicos encontram-se definidos e serão implementados em breve. Devido a critérios de inclusão muito estritos, que se centram nos doentes diagnosticados segundos os parâmetros de inclusão da EU-NN, a inclusão de doentes está a avançar lenta mas firmemente. Recentemente, a EU-NN lançou a sua homepage http://www3.unil.ch/wpmu/eunn/, através da qual, regularmente, presta informação sobre distúrbios do sono, os membros, actividades científicas e conferências. Foram lançadas diversas publicações científicas com um contributo considerável por parte da EU-NN.
Dra. Rosa Peraita-Adrados
Unidad de Sueño y Epilepsia-Neurofisiología Clínica. Hospital Universitario Gregorio Marañón. Madrid
Prof. Juan-Vicente Sanchez-Andrés
Director asociado de Revista de Neurología Departamento médico, Viguera eds.
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