Entrevista

Entrevista com o professor Michel Billiard por ocasião do 8.º Dia Europeu da Narcolepsia 2017


Fecha de publicación de la entrevista 17/03/2017 | Nº de lecturas de la entrevista 39.011
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Prof. Michel Billiard O professor Michel Billiard é catedrático emérito de Neurologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Montpellier I e diretor honorário do Serviço de Neurologia do Hôpital Gui de Chauliac, Montpellier, França. Desempenhou o cargo de presidente da Sociedade Europeia para a Investigação do Sono (1996-2000) e é o primeiro membro honorário da Rede Europeia da Narcolepsia, eleito no último Dia Europeu da Narcolepsia, que se realizou em Helsínquia em março de 2016. Foi, também, impulsionador do projeto de colaboração europeu sobre a predisposição genética à narcolepsia (European Collaborative Project on Genetic Susceptibility to Narcolepsy, 1995). Ao longo dos últimos 40 anos publicou numerosos artigos sobre a narcolepsia com cataplexia e outras hipersónias de origem central, em particular sobre a síndrome de Kleine-Levin e a hipersónia idiopática. Pergunta. O Centro de Perturbações do Sono e da Vigília do Serviço de Neurologia, Hôpital Gui de Chauliac, Montpellier, tem sido pioneiro no estudo e tratamento das alterações do sono na Europa. O centro foi fundado pelo professor Pierre Passouant. Este foi, também, o organizador do Primeiro Simpósio Internacional sobre a Narcolepsia, em julho de 1975. O senhor, como colaborador e sucessor do professor Passouant, contribuiu para manter a tradição e centenas de especialistas do sono de todo o mundo formaram-se em Montpellier. Resposta. Em 1971, época em que se podiam contar nos dedos da mão os centros de perturbações do sono existentes no mundo, o professor P. Passouant criou um novo serviço, o Service de Physiopathologie des Maladies Nerveuses (Serviço de fisiopatologia das doenças nervosas) no então brilhante Hôpital Gui de Chauliac, de Montpellier. O serviço dispunha de um piso com 28 camas de neurologia, uma unidade de eletroencefalografia, outra de eletromiografia e uma dependência totalmente equipada para as perturbações do sono, com duas camas. Naquele tempo, o professor Passouant interessava-se principalmente por epilepsia e, por isso, ali se examinaram numerosos doentes epiléticos durante toda a noite, com o objetivo de estudar a relação entre as crises e a vigília, assim como o sono lento e o paradoxal. Mas ao professor interessavam também as alterações do sono, em especial a narcolepsia, e atraiu para o seu serviço médicos interessados no sono, basicamente neurofisiologistas clínicos. Entretanto, também enviou o Dr. Billiard para a Escócia (professor Oswald) e depois para a Califórnia (professores Dement e Guilleminault). Ao seu regresso de Stanford (1974), o Dr. Billiard impulsionou o centro de perturbações do sono, ampliando tanto o número de camas como o de colaboradores, e, desde então, dúzias e dúzias de médicos provenientes de toda Europa, Norte de África, Oriente Próximo e América Latina chegaram a Montpellier para receberem formação no campo da medicina do sono. P. Revendo a sua produção científica, o senhor publicou o artigo 'Hipersónia periódica relacionada com a menstruação. Síndrome de Kleine-Levin ou nova entidade clínica?' (A menstruation-linked periodic hypersomnia. Kleine-Levin syndrome or a new clinical entity? Neurology, 1975) e, em data mais recente, ‘Hipersónia recorrente: revisão de 339 casos’ (Recurrent hypersomnia, a review of 339 cases. Sleep Med Rev, 2011). Na Classificação Internacional das perturbações do sono (ICSD)-3, o termo ‘hipersónia da menstruação’ foi substituído pelo de ‘síndrome de Kleine-Levin relacionado com a menstruação’, o que ressalta a ideia de que essa perturbação forma parte da síndrome. Na opinião de alguns, esses artigos propiciaram o diagnóstico de centenas de mulheres afetadas pela síndrome e que tinham sido erroneamente diagnosticadas com depressão. Poderia partilhar connosco este aspeto? R. Não tenho a certeza que graças a esses artigos se tenha diagnosticado a síndrome de Kleine-Levin em centenas de mulheres supostamente deprimidas. Mas é provável que o primeiro artigo tenha chamado a atenção para essa rara perturbação, anteriormente conhecida como hipersónia da menstruação, e o segundo a casos femininos da mesma, considerados inicialmente como excecionais ou inexistentes (Critchley, 1962). De facto, na nossa série de 293 doentes afetados pela síndrome primária, 232 eram homens e 61 eram mulheres (razão de sexos de 4:1). P. O senhor é o autor principal das Diretrizes para a Gestão da Narcolepsia (Guidelines on Management of Narcolepsy. Eur J Neurol, 2006) elaboradas para a Federação Europeia de Sociedades de Neurologia, e o líder do desenvolvimento do modafinil na Europa desde o início dos anos noventa. Qual a sua opinião sobre os novos tratamentos contra a narcolepsia, como o oxibato de sódio (Xyrem) e o pitolisant (Wakix)? Poderia falar-nos desses fármacos no contexto daquilo que sabemos sobre a doença? R. O modafinil, utilizado experimentalmente em França pelo prof. Jouvet desde 1983, presumiu uma verdadeira revolução no tratamento da narcolepsia, em virtude da sua eficácia e do perfil favorável de reações adversas. Após vários estudos de desenho aberto realizados em França entre os anos 1985-1990, houve um primeiro ensaio multicêntrico aleatorizado e controlado com placebo (Sleep, 1994), ao qual se seguiram os grandes ensaios clínicos norte-americanos. Embora o efeito do modafinil sobre o despertar seja causado pela inibição da recaptação de dopamina, o mecanismo preciso não é completamente conhecido. Depois apareceu o sal sódico do γ-hidroxibutirato (oxibato de sódio), recomendado já em 1975 por investigadores canadianos e autorizado nos Estados Unidos para o tratamento da cataplexia desde 2002 e da sonolência diurna excessiva desde 2005. A difusão deste fármaco constituiu outra nova revolução em virtude da sua eficácia sobre os sintomas relacionados com o sono paradoxal e sobre a sonolência diurna excessiva, assim como pelo seu perfil favorável de reações adversas quando tomado nas doses recomendadas, seguindo o ajuste progressivo da dose e sem a concorrência de uma síndrome de apneia obstrutiva do sono significativa nem de depressores da respiração. O oxibato de sódio ativa o recetor do ácido γ-aminobutírico de tipo B, embora o mecanismo de ação não esteja totalmente esclarecido. Por seu lado, o pitolisant é um agonista inverso do recetor histaminérgico H3 que reduz substancialmente a sonolência diurna excessiva em relação ao placebo e é bem tolerado. Este medicamento já é dispensado em França com uma autorização temporária e está prestes a ser aprovado pela Agência Europeia do Medicamento. Dado este ponto de situação, seria prematuro definir o seu lugar em relação ao modafinil e ao oxibato de sódio no tratamento da sonolência diurna excessiva. P. Não abundam as investigações que sustentam a teoria de que os fatores de risco ambientais revestem uma importância manifesta na etiologia da narcolepsia com cataplexia. Não obstante esse facto, os estudos em gémeos descrevem uma concordância de 25 a 31%, o que aponta para um importante contributo de tais fatores. Assim sendo, serão necessárias novas investigações, como estudos epidemiológicos de caráter prospetivo na Europa, para melhor esclarecer a implicação dos fatores de risco na etiopatogenia da narcolepsia. O controlo de muitos desses fatores pode prevenir a doença. Julga que no velho continente escasseiam os estudos epidemiológicos? R. Na Europa, na década de oitenta já se conduziram estudos epidemiológicos no campo da síndrome de apneia obstrutiva do sono e das hipersónias de origem central, pela mão de Lugaresi e do seu grupo em Itália, seguidos por vários países nórdicos, como Finlândia, Suécia, Dinamarca ou Islândia. Em relação ao papel dos fatores ambientais na narcolepsia, publiquei com a minha equipa um primeiro estudo intitulado ‘Acontecimentos vitais no ano anterior ao início da narcolepsia’ (Life events in the year preceding the onset of narcolepsy. Sleep, 1994), onde revelava que o início está vinculado com a frequência de diversos episódios inespecíficos, como infeções, stress psíquico ou a modificação abrupta do ritmo da vigília e do sono. A este primeiro estudo seguiram-se outros estudos valiosos. Maior interesse possuem, no entanto, vários estudos centrados na sazonalidade do nascimento, certos agentes infeciosos e o traumatismo crânio-encefálico. As doenças infeciosas habitualmente apresentam variações sazonais que poderiam ficar reflexas no padrão cronológico do nascimento dos indivíduos afetados. No caso da narcolepsia, diversos estudos revelaram um máximo no mês de março e um mínimo no de setembro no padrão de nascimento dos doentes afetados pela narcolepsia de tipo 1. Esse predomínio sazonal dos nascimentos aponta para a implicação de fatores ambientais que incidem nos primeiros meses de vida, e que interagiriam com a predisposição genética para causar danos no sistema da hipocretina. É noto que as infeções das vias aéreas superiores, como as causadas por Streptococcus pyogenes ou pelo vírus da gripe, atuam como desencadeantes da narcolepsia, pelo menos em crianças. A faringite estreptocócica precede frequentemente o aparecimento da narcolepsia, e os narcolépticos de início recente costumam dar com frequência positivo para anticorpos antiestreptolisina-O, um marcador de Streptococcus pyogenes. Da mesma forma, na China e em outros países, o número de crianças com narcolepsia de novo aparecimento multiplicou-se entre três e cinco vezes em relação aos anos anteriores durante a primavera e verão de 2010, com um máximo entre quatro e seis meses após o pico da infeção pelo vírus H1N1. Por fim, os traumatismos crânio-encefálicos também podem provocar a narcolepsia, mas dado o caráter leve ou moderado que em geral tem este tipo de traumatismos, é mais provável que o início da narcolepsia esteja associado ao stress do que a uma lesão neurológica aguda. Mesmo assim, é necessário prosseguir os estudos de epidemiologia ambiental que investiguem sistematicamente as exposições ambientais que favorecem ou que que protegem face à narcolepsia. P. Ao senhor interessa a narcolepsia, quer seja isolada, quer acompanhada por cataplexia, assim como a hipersónia idiopática com e sem prolongamento do tempo total de sono (Sleep Med, 2015; Sleep Med Rev, 2016). Sobre esta última, e na falta de marcadores biológicos, pôs-se em causa a pertinência da sua divisão em duas formas. O senhor parece ser partidário das duas entidades. Existem outros estudos que apontem nessa direção? R. De acordo com os estudos clínicos, a distinção entre hipersónia idiopática com e sem prolongamento do tempo total de sono foi posta em dúvida pela ausência de sintomas que sejam específicos de um dos subgrupos (por exemplo, a grande dificuldade para despertar ou a embriaguez do sono afetam ambos). Da mesma forma, na sequência de vários estudos, também puseram em questão a validade da latência média no teste de latências múltiplas do sono que forma parte do diagnóstico da hipersónia idiopática. Por tudo isso, tal perturbação já não se pode dividir em duas formas, isto é, com ou sem prolongamento da duração total do sono (ICSD-3). Não tenho conhecimento de nenhum estudo em curso, à exceção da análise de agrupamentos a que me referirei mais tarde, que sustente a sua divisão em duas formas. Contudo, Bedrich Roth, o grande neurologista e especialista do sono checo, primeiro a cunhar o termo de hipersónia idiopática, distinguiu duas formas daquela: a monossintomática e a polissintomática. Desta forma, a porta continua aberta às duas formas da hipersónia idiopática, tal e como indica a ICSD-3, que afirma que ‘Os médicos quererão continuar a considerar a duração do sono como uma caraterística clínica importante’ e que ‘qualquer outra divisão da hipersónia idiopática em perturbações distintas terá que aguardar novos avanços no conhecimento da sua biologia’. P. Prosseguindo com o mesmo argumento, o diagnóstico diferencial implica um certo número de doenças com hipersonolência e ainda não está claro se a hipersónia idiopática e a narcolepsia de tipo 2 não são a mesma doença. Que papel desempenha a hipocretina nestas doenças? Existem indícios suficientes para considerar a narcolepsia de tipo 2 uma doença causada pela carência de hipocretina? R. Através de uma análise hierárquica de agrupamentos, ou clusters, (Sleep Med, 2015) que incluiu quatro tipos de doentes, narcolépticos com e sem cataplexia e afetados por hipersónia idiopática com e sem prolongamento do tempo total de sono, constatámos que ambas as formas de hipersónia pertencem a agrupamentos distintos, enquanto os doentes com hipersónia idiopática sem prolongamento do sono e os afetados por narcolepsia de tipo 2 pertencem ao mesmo agrupamento. Até agora não se demonstrou que exista carência de hipocretina na narcolepsia de tipo 2, exceto em casos pontuais. Contudo, esse tipo de narcolepsia é uma doença heterogénea. P. Para terminar, o senhor é o primeiro membro honorário da Rede Europeia da Narcolepsia. Poderia resumir-nos os êxitos conseguidos por esta nos últimos anos e partilhar connosco aquilo que acredita que se nos proporcionará no futuro? R. Quando se contempla a história da investigação da narcolepsia na Europa desde as suas origens, resulta evidente que vários grupos estiveram a trabalhar separadamente. Surgiu então a necessidade de estudos tais como os de associação de genes candidatos aos estudos de associação genómica, os quais exigiam um maior número de doentes e referências, que estimularam esses grupos a cooperar. Por outro lado, entre os investigadores europeus cresceu a motivação para não depender exclusivamente do grupo de narcolepsia de Stanford e de desenvolver a sua própria competência. Isso explica a criação da Rede Europeia da Narcolepsia e o extenso volume de dados obtido até ao momento. O passo seguinte, já em marcha, consiste em elaborar protocolos comuns de investigação a partir desse conjunto de dados com vista a melhorar o conhecimento do fenótipo da narcolepsia, a fisiopatologia da doença e a descoberta de novos tratamentos. Dra. Rosa Peraita Adrados
Unidad de Sueño y Epilepsia-Neurofisiología Clínica. Hospital Universitario Gregorio Marañón. Madrid

Profesor Juan-Vicente Sánchez-Andrés
Director asociado de Revista de Neurología
Departamento médico, Viguera eds.
CategoriasSueño

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